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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ressaca da Black Friday


Ressaca da Black Friday


Recife, 28 de novembro de 2015


– Bom dia.
– Bom dia.
– Eu queria saber o preço do último livro do Mutarelli, eu não sei o nome, mas se você me mostrar à capa eu sei.
– M-u-t-ar-e-l-e.
– Não é assim que se digita é com dois l e um i.
– M-u-t-a-r-e-l-l-i. Assim?  
– Isso.
– É esse aí, O Grifo de Abdera?
– O senhor vai querer?
– Vou sim.
– Deixa eu ver aqui.

Assim fomos para a seção de literatura nacional.

– Como é mesmo o nome do livro – perguntou a vendedora, sempre solícita.
– O Grifo de alguma coisa, deixa eu vê lá no computador e volto pra te dizer – disse e fui quase correndo.

Mutarelli coloca cada nome doido nos livros dele, pensei.

– O grifo de Abdera – falei voltando rapidamente.
– Ele é escritor regional?
– Não, ele é paulista e fuma.

Tentei ser engraçado. Não surtiu efeito.

– Não estou achando. O senhor não quer outro livro? Temos ali a seção dos mais vendidos, só tem best seller.
– Não, obrigado, vou ficar com o fumante mesmo. Ele é o cara que escreveu o livro “O cheiro do Ralo”, que virou filme com aquele ator que dublava a voz do Charlie Brown, do desenho do Snoopy – eu acho que era ele. O cheiro do Ralo é aquele filme que o cara chora abraçado a uma bunda de mulher.
– Nunca vi.
– Ele é escritor regional?
– Não, é paulista e escrevia HQ’s, e gosta de gatos. Eu não gosto.

Pensei em dizer que não queria mais o livro, que iria mudar a compra e dizer o título de um de meus livros que foi rejeitado por todas as editoras do mundo. Mas ela estava tão empenhada. Seria maldade. Pura maldade.

– O senhor não quer outro livro, têm uns bons ali na seção dos mais vendidos.
– Só tem best seller?
– Sim.
– Quero não. Quero o último do Mutarelli.
– Deixa eu ver aqui.

A vendedora abriu uma portinha onde estavam vários livros, era um tipo de estoque, como se fosse à parte de baixo de um guarda-roupa, só que ao invés de roupas intimas havia vários livros. E lá estava ele, O grifo de Abdera, soterrado por três livros.

– É esse?
– Deixa eu ver a capa. É sim.

Ela me deu o livro e fui pagar no caixa, mas a vontade que tive mesmo, e nem sei o porquê, foi de sair correndo, sem pagar porra nenhuma.

Do jeito que o Mutarelli é tímido, acho que aquele lugar escondido onde estava seu livro era o lugar mais confortável para ele estar, pensei e fui pro caixa, torcendo pra que meu cartão não tivesse com o limite estourado.




Marcos Martins.

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