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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Retomando as atividades. Poema: O HOMEM ENFERRUJADO


O HOMEM ENFERRUJADO


Quando a luz solar adentrou pela brecha do quarto, morbidamente escuro, e tocou as pontas dos meus dedos, senti que ainda fazia parte de algo, que ainda era uma peça no tabuleiro.

Pude notar que meus velhos dedos enferrujados ainda podiam se mexer a minha vontade – por mais escassa que ela houvesse se tornando.

Todos riram de mim quando falei com sinceridade, quando me expus como uma criança que acabara de nascer: sem vestes. Inocente. Pura. Ingênua.

Ei! Meu bem, eu sempre estive aqui, nos bons e maus momentos, sempre acolhi tuas lágrimas, enxuguei tua face e te pus para dormir – você que nunca sentiu.

Não tem sido fácil, mas nunca disseram que seria.

Levantar tem sido tão difícil quanto aceitar todas essas mortes brutalmente sem sentido. Os pratos esperam sobre a mesa por mim que já não tenho paladar. E toda essa poeira que cobre meu corpo, como um manto sangrado (uma manto sagrado em um corpo profano), não me esquenta o coração... Coração? Coração que já não sei o porquê de ainda bater com deveras força. 

Ei! Meu bem, o fogo que queima por dentro não é nada além de fogo, e o amor no fim das contas não vence a razão – não vence o real.

Não sei se não tenho mais forças, ou se não quero mais levantar. Levantar para quê? Lutar por quê?  Lutar, por que sempre tem que se lutar (soldados nunca andam com bandeiras brancas nos bolsos, pois podem mancha-las com sangue).

O melhor seria ficar onde estou, o melhor é continuar sentido a ferrugem corroendo minhas juntas; vísceras; lembranças – partes doloridas de meu corpo.

Deixem que eu enferruje, deixem que me torne uma lembrança vaga, daquelas que não se sabe se é real ou apenas o cérebro pregando uma peça.

Ei! Meu bem, eu sempre acolhi tuas lágrimas e por esse fardo é que me encontro aqui, inerte, diante dessa quarto cheio de vazio, dentro de um corpo desabitado, enferrujando esquecido a mínguam, enquanto o sol, já fraco, ainda se faz presente por entre as brechas dessa quarto que assiste o consumir de um ser, que já não sabe mais se é real ou fora imaginado.    


Marcos Martins.

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