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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Fosco


Fosco


Perguntei aos meus olhos o porquê de chorarem tanto, um deles me respondeu que era porque eles ardiam em brasa, devido à dor em ver todo o mal e nada poder fazer.

Meus dias passam lentamente – o relógio é meu inimigo – e não quero mais saber o porquê de tudo, prefiro a ausência da visão. Prefiro o nada que me preenche e conforta tanto; prefiro não tentar montar o quebra-cabeça, faltando peças, que essa vida plástica apresenta ao meu viver.

Não quero mais ver. Não quero mais maltratar meus olhos (perderam a inocência há tempos). E esses colírios, esses colírios que fingem clarear as coisas, só me faz mal – castigo eterno até que o chão consuma tudo o que minha íris possa ver.

Essas pálpebras que não fecham para sempre, a cada dia faz com que meus olhos fiquem mais sensíveis – não aguentam mais ver toda essa culpa, esse raio refratário que bate e marca profundamente (luz sem cores que ofusca o que gostaria de ver).        

Esses olhos acumularam tanta tristeza ao longo da jornada do herói (que de herói não tem nada, nem jornada a de ter), esses olhos castanhos, esses olhos neon perdidos no meio do labirinto vazio-fugaz, que não canso de ver, é impotente de nada poder fazer e calar-se em panos quentes... Não posso fazer. Ninguém me fortalece.

Essa retina velha que apenas vê fragmentos de pigmentações indecifráveis, cores cítricas, natureza morta, mãos que apedrejam; gente sem alma, gente sem olhos – cegos olhos que não deixam ver todas as cores do arco-íris, porque a película de lágrimas deixa tudo fora de foco e sem foco, tudo fica mais difícil de tocar, consertar, ver e algo poder fazer.

Ninguém me fortalece. E o cristal de minha íris não emite luz própria, não reflete a beleza que todos dizem o ser ter.          



Marcos Martins.

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