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segunda-feira, 30 de junho de 2014

VIDA DE CÃO


VIDA DE CÃO


De lá o cachorro latia, latia e me olhava.
Eu que me sentia preso, ele que não estava;
Eu que estava triste, ele que me dizia o que era amar de verdade;
Eu que o alimentava, ele que me agradecia da forma mais verdadeira que se pode ser;
Eu que o acariciava, ele que de mim nada cobrava;
Eu que me sentia preso a essa existência, ele que o rabo abanava.

Sempre que o soltava, me via refletido em seus olhos castanhamente alegres – comecei a sentir inveja de sua vida bem tratada.

Eu que era um cão sem dono, no inferno quente do Recife, quis uma coleira antepulgas e não precisar mais correr trás de minha própria cauda.

Eu era um cão sem dono circulando pelos becos, vielas e as pontes impiedosas da Veneza brasileira, olhava as pessoas e via em seus olhos que ninguém se importava.

De lá ele me olhava; de cá, eu não mais me enxergava;
De lá ele acenava; de cá, eu cada vez mais me quebrava;
De lá ele sabia; de cá, eu também sentia que nem sempre as verdades são reais para quem não consegue seguir estradas.


Marcos Martins.

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