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sábado, 14 de junho de 2014

Conto: O DIA EM QUE O RECIFE AFUNDOU


Foto google: Ponte da Boa vista (Recife)

O DIA EM QUE O RECIFE AFUNDOU


O DIA EM QUE O RECIFE AFUNDOU


Desde menino, Henrique tinha dois sonhos e um trauma. Queria ser astronauta era o primeiro e o segundo era poder destruir todas as pontes da cidade do Recife. Henrique tinha trauma de atravessar as temidas pontes da Veneza brasileira, já que, quando menino, caíra da ponte da Boa vista e quase morrera afogado, nas águas escuras do Rio Capibaribe. Ele tinha 7 anos na época e hoje, passados 23 anos, o pobre homem nunca conseguiu esquecer a sensação de afogamento e o gosto que o Rio deixou em sua garganta.

Sempre que passava por alguma das pontes do Recife, suas mãos gelavam, sentia tontura e náusea, chegava há levar 20 minutos na travessia, sempre segurando no parapeito das pontes, gélido.  Certa vez chegou a travar no meio da ponte Maurício de Nassau e ficou agarrado a estatua do poeta Joaquim Cardozo. Só saiu de lá com a ajuda do corpo de bombeiros, depois de mais de 2 horas de negociação.

Fosse a pé de carro ou de ônibus, não tinha importância, ter que cruzar qualquer uma das 49 pontes da cidade era um martírio. À medida que Henrique crescia, também crescia a vontade de explodir todas as pontes de sua capital, pois em sua cabeça o que sustentava o Recife - sem deixar que afundasse - eram as pontes. Mas explodir 49 pontes não é uma coisa fácil de fazer, então teve uma ideia brilhante em seus devaneios, teria apenas que destruir 12 das 49 construções que tanto embelezavam a Veneza do Nordeste, seriam as 12 pontes, os 12 pilares de sustentação e se assim o fizesse todo o centro iria submergir.

Henrique estudou por 5 anos quais pontes, de fato, sustentavam a capital pernambucana e concluiu que eram as: Princesa Isabel; 06 de Março; Duarte Coelho; Limoeiro; Boa Vista; Maurício de Nassau; Buarque de Macedo e a 12 de Setembro. Essas seriam os pilares de sustentação do Recife e se fossem postas a baixo, toda a cidade sucumbiria e sua angústia teria em fim um fim.

Conseguiu comprar muita dinamite, de uma forma que seria melhor ninguém ficar sabendo para não se complicarem, pois existem coisas que não se devem dar explicações, como por exemplo: receita de bolo ou verba de gabinete. Comprou alguns detonadores a controle remoto, alimentados por bateria de celular, em um site de compras on-line. Fez alguns testes no quintal de sua casa soltando rojões. A criançada ia ao delírio a cada rojão lançado, e Henrique só visualizava as pontes indo a baixo e sorria de forma aliviada.

Planejou tudo de forma metódica, esperou por um feriadão, para ter a certeza de que toda a cidade estaria vazia. Utilizou um barco para navegar pelo Capibaribe, para não levantar suspeita, e, aproveitando um feriado que caia numa segunda-feira, começou a por em prática seu plano perfeito. Durante três dias conseguiu instalar dinamite em todas as 12 pontes que escolhera. Foram três dias acordado a base de energéticos para dar conta de tudo.

Logo após colocar todos os explosivos, na segunda à noite, foi para o topo do prédio JK, dessa forma tinha a certeza de que teria uma visão privilegiada e assim poderia contemplar a concretização de seu sonho.

- Recife, eu te amo! – gritou do alto do prédio.

Esperou o sol nascer, porque queria que o astro rei presencia-se sua façanha. Recife acordava de forma sonolenta, os ônibus ainda não iniciavam seus percursos, passando lotados de gente enlatada, não se ouvia o som de motores, nem a fumaça de canos de escapes tentando fugir da cidade. Ele estava emocionado, suspirou e acionou os detonadores, fez um silêncio e então o som das explosões chegou a seus ouvidos, como que o canto de um passarinho dando-lhe "Bom dia", na janela de seu quarto. O som das explosões fora tão alto e violento que todos os moradores da região metropolitana puderem ouvir; para alguns parecia o som de trombetas celestiais anunciando o fim e o novo.

Uma a uma as pontes foram postas a baixo e após estalos agudos, o Recife começou a afundar, de forma sonolenta, da mesma forma que todos acordam pensando na luta que vão ter enfrentar.

Henrique chorou no topo do JK quando viu o cinema São Luiz afundando. E enquanto o Recife sucumbia uma preocupação surgiu - o fato de ter que molhar a roupa nova que havia comprado para a ocasião solene -. Lembrou que o barco havia ficado ancorado na ponte da Boa vista, onde tudo havia começado, onde sua vida havia ganhado um propósito e agora não mais existia: barco, pontes, Recife, propósito algum.        
   

Marcos Martins.






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