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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Conto: NOVA ORDEM




NOVA ORDEM


- Sr. Pedro Augusto dos Santos, o Senhor foi condenado a 35 anos de prisão, pelos crimes cometidos por seu filho, Carlos Silva dos Santos, e deve cumprir, em regime fechado, sua sentença – dizia o Juiz do tribunal da Justiça Maior e bateu o martelo finalizando a sessão.

Desde que crimes bárbaros, cometidos por menores, começaram a aumentar no País, os três poderes mais a sociedade civil decidiram que todo menor de 18 anos, não importando sua idade inferior a maior idade, que cometesse crime contra alguém ou patrimônio público e privado, os responsáveis pelos mesmos deveriam responder judicialmente pelos crimes cometidos pelos menores e cumprir as penas aplicadas em seus lugares.

Carlos tinha 16 anos, era um jovem de classe média, tinha olhos verdes penetrantes e os dentes incisivos centrais superiores separados, que davam um ar de ingenuidade ao garoto, mas de ingênuo ele não tinha nem o nome. Carlos havia matado duas senhoras, irmãs gêmeas, ao tentar roubar a bolsa de uma delas. As irmãs tinham 70 anos. Carlos era violento e sabia que a justiça não poderia alcançar seus atos de barbárie, e na tentativa de assaltar as senhoras, quebrou o braço da que segurava o objeto de seu desejo – uma bolsa Louis Vuitton com faturas de cartão para pagar - e acabou esfaqueando as irmãs até vê-las morrerem em seus pés. Seu Pai, o Senhor Pedro, de 55 anos cumpriria, em regime fechado, a pena no lugar do filho. Essa era a lei.

- Meu Deus, onde foi que eu errei! – gritava em tom de súplica o pai de Carlos, com os braços erguidos, enquanto policiais o tiravam do tribunal para levarem o pobre homem ao presídio.

Dona Eunice, esposa do senhor Pedro, chorava desconsolada agarrada ao braço do filho que apenas olhava indiferente o desespero dos pais.

O tribunal estava cheio, em sua maioria por pessoas com mais de 40 anos, todos com seus filhos a tiracolo. Alguns avós levavam seus netinhos para que ficassem horrorizados com a dor de um pai e assim não cometessem crimes, mas nada surtia efeito porque as crianças pareciam se deleitarem com toda aquela situação. Nos corredores do tribunal era normal verem crianças e adolescentes fazendo apostas para tentarem acertar quantos anos o pai, mãe ou responsável pelo menor receberia. Alguns adolescentes iam fumar no banheiro do tribunal e quando algum policial entrava no sanitário para interpela-las, logo se viam como vítimas, e protegidas pela lei diziam aos policiais, como se estivessem num filme gringo: “Toque em mim e acabo com a tua vida profissional, Tira!”. Os policiais baixavam a cabeça e saiam desconsolados do WC sem lavarem as mãos.

A sociedade tinha mudado, os adolescentes ditavam as regras agora, eles podiam votar; prepararem-se para fazer mudança de sexo, se emancipar, eleger o presidente da república, mas não eram capazes de responder por atos violentos, pois eram tidos como “incapazes de discernir o certo do errado”.

Nos últimos 15 anos as cadeias do País estavam lotadas de pais, avós e pessoas responsáveis por menores, todos eram culpados pelos atos arbitrários dos salvaguardados. Cada vez mais era raro ver pessoas com mais de trinta anos andando pelas ruas, quando apareciam, andavam de ombros caídos e com medo de cruzarem com algum menor de idade, pois eram sempre humilhados e coagidos por eles. Nem nos shoppings se sentiam a salvos. Curiosamente esses adultos não haviam desistido de ter filhos e continuavam a povoar o País com seus rebentos. Foi então que algo aconteceu - A ovelha trucidou o lobo -.    


***


- Vamos cometer um ato que entrara para a história – falava Lucas, um garoto de 15 anos, enquanto recarregava duas pistolas - PT 24/7 training II, azuis.

Luquinhas, como era conhecido, era chefe de uma gangue - A Gangue do Dente de Leite -, como era conhecida. Além do garoto mais 12 pessoas faziam parte da gangue, crianças entre 13 e 17 anos. Luquinhas era o mais violento de todos, gostava de torturar suas vítimas antes de assaltá-las. O que mais o orgulhava era nunca ter sido pego. Seu pai, era um homem doente, sofria de problemas renais e tinha diabetes, era um senhor de 60 anos e caso o filho fosse pego o pobre diabo iria para a prisão de todo o jeito. Adultos não tinham regalias, nem se fossem pessoas doentes. 

Luquinhas não era um garoto forte, nunca foi um valentão na escola, nem era tão alto para impor medo a alguém, tinha um metro e sessenta e oito e pesava 52 quilos. Mas com uma arma em punho se transformava num gigante, um matador sem piedade. Para ser contraditório tinha tatuado nos antebraços a palavra “Misericórdia”, mas de misericordioso não tinha nada.

Luquinha e sua gangue tinham um verdadeiro arsenal, eram pistolas, fuzis e rifles de longa distância. Todas as armas tinham uma peculiaridade, eram coloridas com cores fortes e vivas. Tinham armas azuis, vermelhas, laranjas, amarelas (pareciam um arsenal de MMS) e com adesivos de personagens infantis em seus cabos finalizavam os enfeites. “Ô Pai”, como gostava de ser chamado Luquinhas, tinha adesivos do Boby Esponja e da estrela do mar Patrick nos cabos de suas pistolas.


***


- O plano é o seguinte – continuou - vamos matar o presidente do Supremo Tribunal Maior, o ministro da justiça Justa e o presidente da República de Todos.

À medida que “Ô Pai” ia revelando seus planos, todos os outros escutavam como se estivessem hipnotizados pela voz de Luquinhas, que gesticulando com uma arma na mão ia ministrando seu plano, parecia um maestro regendo a Nona sinfonia de Beethoven. E assim, todos os adolescentes começaram a carregar suas armas, como se ao fundo a musicas de Beethoven estivesse mesmo sendo tocada e dando ritmo às balas, que eram colocas em armas exclusivas das forças armadas. Outros cuidavam dos mantimentos: toddynhos sabor tradicional e napolitano; iogurte sabor morango, salada de frutas e chocolate, alguns pacotes de biscoito recheado e até papinhas de nenê estavam levando, pois não sabiam se iriam demorar muito ou não por lá.

Antes de seguirem viagem ouve uma despedida, Adriano, um dos integrantes do grupo acabara de completar 18 anos – Não tinha pelos no peito, mas judicialmente era um homem -. Todos choraram abraçados e comemoraram com brigadeiro, bolo e refrigerante, apenas Adriano tomou cerveja, pois agora já podia beber e tirar sua habilitação. Adriano voltou para casa, triste, perdido e com os mesmos ombros caídos que andavam todos os adultos. Seus pais agradeceram a Deus o filho ter completado maior idade sem que eles tivessem ido para alguma prisão.

Lágrimas enxugadas, armas carregas e barriguinhas cheias, partiram para a jornada, para “Ô berçário”, como era conhecida a Capital do País por todos os menores da nação.

- Pegaremos o juiz, o ministro e o presidente, nenhum adulto vai ousar chegar perto de nós – falava confiante - E assim que os tivermos, os executaremos em cadeia Nacional e mostraremos quem é que manda realmente - esse era o plano, tão simples quanto ser criança, assim pensava e tinha certeza Luquinhas.

Como os garotos não eram habilitados tiveram que sequestrar o motorista de uma van escolar, que passava ali perto, e assim seguirem para “Ô berçário”. Eram 3 horas de viajem e todos puderam cantar antigas canções que aprenderam na escola, quando pequenos, como: marcha soldado, pirulito que bate bate, samba lelê, capelinha de melão, ciranda ciradinha, Pai Francisco, entre outras. Não cantaram escravos de Jó, pois achavam politicamente incorreto, nem atirei o pau no gato, por fazer com que Luquinhas se lembrasse de seu gato chamado Mimoso, que havia sido morto, atropelado por um bêbado que nunca foi pego.

Finalmente chegaram ao Berçário no final da tarde, mas antes de descerem da van, amarraram o motorista no acento, com as mãos presas ao volante, descerem e jogaram gasolina no veículo, no entanto ficaram frustrados porque o motorista não gritou enquanto ardia em chamas. 

Agora estavam prontos para o que desse e viesse. Morrer jovem não era uma maldição e sim uma benção para eles.


***


Seguiam a passos largos, rápidos e seguros, entraram pela porta da frente do Congresso Nacional, que estava quase vazio não fosse o pessoal da limpeza (era uma sexta-feira).

- Música! – gritou Laquinhas para um dos garotos que levava uma caixa de som presa às costas, ele e mais dois garotos transportavam as caixas como se fossem mochilas escolares, e no último volume adentraram o Congresso com a Nona sinfonia de Beethoven ao fundo.

Para a surpresa dos garotos e garotas que ali estavam, encontraram um Congresso deixado às moscas. Luquinhas cuidou logo de mandar um continuo chamar o Supremo Tribunal Maior, ministro da justiça Justa e o presidente da República de Todos.

Câmeras foram posicionadas para que assim que os chefes chegassem tudo fosse mostrado à Nação. Luquinhas estava sentado na cadeira da Presidência quando as autoridades chegaram e assim que viram todos aqueles adolescentes, cuidaram logo de curvar os ombros, o juiz Tribunal Maior até que tentou manter os ombros erguidos, mas foi persuadido a baixa-los com o cano de um fuzil tocando suas costas.

Os três foram colocados atrás da cadeira que Luquinhas estava sentado, que de pronto mandou pararem com a música e a ligarem as câmeras.

Todas as televisões do País interromperam a programação, pois foram informados que o presidente da República de Todos iria fazer um pronunciamento urgente a Nação e assim o fizeram, logo que o brasão de república apareceu e o hino nacional começou a ser executado toda a nação parou para ouvir o presidente fazer seu pronunciamento. Mas para a surpresa geral da Nação quem apareceu em primeiro plano foi um garoto com duas pistolas coloridas em punho, de pé, erguendo os dedos anelares das duas mãos e estalando o dedo para a toda a Nação, e rindo, rindo sinicamente adentrou a casa de todos. No mesmo instante todos os adultos, absolutamente todos que assistiam TV curvaram os ombros e olhavam, timidamente, para os aparelhos.

Luquinhas sentou-se, deixou as pistolas em cima da mesa e acomodou-se como um imperador. Por trás dele, três figuras dimunitas, cabisbaixas, ombros ainda mais curvados que os de toda a Nação, aguardavam o que “Ô Pai” tinha a dizer.

- Me chamo Luquinhas, mas todos me conhecem pelo apelido de “Ô Pai”, e é dessa forma que gosto de ser chamado, que fique claro. – continuou – Vamos ao que interessa, até porque não quero ficar aqui até completar maior idade. – todos da gangue riram debochadamente.

- Somos a Gangue do Dente de Leite e queremos falar para todos vocês que, a partir de hoje nós é quem mandamos no País, nós faremos às leis, criaremos uma Nova Ordem, onde a injustiça dos mais velhos não poderá nos tocar. 

- Hoje, começamos uma Nova Era. – dizia “Ô Pai” erguendo suas armas - Toda pessoa maior de 18 anos só poderá fazer trabalhos braçais e servirão a seus filhos como bons escravos que devem ser. Qualquer ato de desobediência será passível de pena de morte e tortura, não exatamente nessa ordem, se é que me entendem – falava e ria sinicamente, levantando a sobrancelha direita para dar um ar de verdade a tudo o que dizia -. Os velhos, ao completaram 60 anos, serão jogados em poços de piche, pois todos sabem que velho não serve para nada, além de bufa, é claro. Todo adulto terá que dar seu lugar no coletivo para os mais jovens, mas terão que fazer uma reverência e só depois cederem o lugar. E isso é apenas o começo.

- Nós somos o futuro, preparem-se para dias de terror – todos da gangue foram à alegria extrema, disparavam suas armas dentro do Congresso enquanto “Ô Pai” se sentia com imunidade diplomática.

Ô Pai levanta-se, coloca as três autoridades de joelhos e as executa a sangue frio, com tiros em suas cabeças, dizia que isso mostrava o quão misericordioso ele era, pois foram mortes de forma rápida e limpa.

- Música! - Grita Ô Pai, que logo é atendido com a música “Geração Coca-Cola”, da Legião Urbana, e dessa forma a transmissão é encerrada.


***


A Gangue do Dente de Leite voltou para casa e por três meses as ordens dadas pelo “Ô Pai” foram seguidas à risca. Pessoas mais velhas davam lugar aos menores de 18 anos em coletivos, pessoas com mais de 60 anos foram jogadas em poços de piche, adultos eram tratados como escravos, não só para seus filhos, mas para toda criança menor de 18 anos. Foi então que algo aconteceu - A ovelha virou lobo -. 

Estava “Ô Pai” a passear por um shopping quando viu Adriano trabalhando como garçom em uma lanchonete, de pronto foi à lanchonete para ser servido pelo ex-integrante de sua gangue, Adriano chegou com o cardápio e achou que fosse ser bem tratado pelo antigo líder, mas o que aconteceu foi que o pai não reconheceu mais seu filho.

- Vai querer o que, Luquinhas? – perguntou Adriano.

- Um milk shake de baunilha, duas porções de batata frita e um sanduiche de queijo – falou sem nem olhar para Adriano.

Adriano saiu triste e foi levar o pedido de Luquinhas. Ao voltar com a bandeja com o pedido do antigo mentor, Adriano nota que Luquinhas estava com um sorriso estranho, o mesmo sorriso doentio que tinha quando queria fazer mal a alguém.

- Aqui está o seu pedido, Luquin... 

- Luquinhas? Você quer morrer, seu idiota? Meu nome é Ô Pai, Ô pai! Seu retardado! – esbravejou levantando e apontando o dedo na cara de Adriano.

- Senhor, me desculpe – dizia Adriano com os ombros caídos.

Ô Pai não aceitou as desculpas e começou com os atos de humilhação pública. Pegou o copo com o milk shake, derramou no cabeça de Adriano, todos na lanchonete, em sua maioria cheia de menores de idade, riram de Adriano, alguns adultos que estavam ali, apenas baixavam suas cabeças e rezavam para que a barbárie só ficasse no pobre atendente.

- Você é doido? Melou meu tênis com esse milk shake de segunda! Quero que limpe; com a língua – falou erguendo o tênis Luquinhas.
Adriano ainda tentou relutar, mas foi esbofeteado no rosto por Luquinhas. Adriano o olhou com ódio, com o mesmo ódio que se sente ao descobrir que alguém matou um bebê.

- O que você vai fazer seu idiota? – perguntou Luquinhas com deboche.

- Vou limpar seu tênis – respondeu Adriano se abaixando.

Ao se ajoelhar para limpar o tênis com a boca, Adriano é surpreendido com um chute, de baixo para cima, dado por Luquinhas. Todas as crianças e adolescentes caíram na gargalhada, os adultos se encolhiam cada vez mais nas cadeiras da lanchonete.

- Agora meu tênis está sujo de sangue desse adulto miserável! – esbravejava Luquinhas, enquanto Adriano rolava no chão de dor.     

Adriano examinou a boca, sentiu a falta de um dente da frente, e o gosto de sangue na garganta o modificou, o fez sentir-se oprimido, o mesmo ser que ele e todos os menores oprimiram um dia. Adriano sentiu-se como cada um daqueles adultos que estavam ali, impotentes, e num ato inesperado saltou de uma vez só em cima de Luquinhas, agarrando-lhe pelo pescoço e o estrangulando até a morte. As crianças e os adolescentes ficaram chocados e pela primeira vez, em muito tempo, os adultos ergueram os ombros e olharam sem medo para todos os menores que estavam ali presentes.                                   

Adriano foi capa de todos os jornais, vários noticiários de TV, rádio e redes sociais falavam sobre o que ele havia feito, mas foi preso, julgado e condenado a 20 anos de prisão pelo artigo 121, enquadrado em crime de homicídio. Adriano não teve direito a regime semiaberto e iria cumprir toda a sua pena em regime fechado.
     
E depois de longos anos Adriano foi o primeiro adulto julgado e condenado por ter cometido um crime e  que adentrou numa prisão sem ter sido preso pelos atos cometido por uma pessoa menor de idade. E todos os detentos os saudaram, e todos gritavam seu nome na cadeia, e todos o trataram como um herói. Adriano apenas ria, ria e ria sem seu dente da frente, ria com total percepção de seus atos.


Marcos Martins.                      

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